RESUMO DE LIVROS - HLERA
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GIL VICENTE - A FARSA DE INÊS PEREIRA
Resumo:
"Mais vale asno que me leve que cavalo que me derrube"

A Farsa de Inês Pereira é considerada a mais complexa peça de Gil Vicente. Ao apresentá-la, o teatrólogo português diz: "A seguinte farsa de folgar foi representada ao muito alto e mui poderoso rei D. João, o terceiro do nome em Portugal, no seu Convento de Tomar, na era do Senhor 1523. O seu argumento é que, porquanto duvidavam certos homens de bom saber, se o Autor fazia de si mesmo estas obras, ou se as furtava de outros autores, lhe deram este tema sobre que fizesse: é um exemplo comum que dizem:

Mais vale asno que me leve que cavalo que me derrube.

E sobre este motivo se fez esta farsa."

A obra pode ser dividida em cinco partes: a primeira é um retrato da rotina na qual se insere a protagonista; a segunda reflete a situação da mulher na sociedade da época, cujos registros são dados pela mãe de Inês, pela própria Inês e por Lianor Vaz; a terceira mostra o comércio casamenteiro, representado pelos judeus comerciantes e pelo arranjo matrimonial-mercantil de Inês com Brás da Mata; a quarta considera o casamento, o despertar para a realidade, contrapondo-a ao sonho que embalava as fantasias da protagonista e, finalmente, a quinta parte reflete a realidade brutal da qual Inês, experiente e vivida, procura tirar proveito próprio. A peça apresenta uma situação concreta, com uma personagem bem delineada psicologicamente e um fio condutor melhor configurado que as produções anteriores de Gil Vicente.

O enredo é simples: uma jovem sonhadora procura, por meio de um casamento com homem ioavisado que saiba tanger violala, fugir à rotina doméstica. Despreza a proposta de Pero Marques, filho de um camponês rico, homem tolo e ingênuo, e aceita se casar com Brás da Mata, escudeiro pelintra e pobretão. No entanto, os sonhos da heroína são logo desfeitos, porque o marido revela sua verdadeira personalidade, maltratando-a e explorando-a. Brás da Mata vai para a África e lá vem a falecer. Inês, ensinada pela dura experiência, toma consciência da realidade e aceita se casar com Pero Marques, seu primeiro pretendente. Depressa também a jovem aceita a corte de um falso ermitão. A farsa termina com o marido (cantado por ela como cuco, gamo e cervo, tradicionalmente concebidos como símbolos do homem traído) levando-a às costas (asno que me carregue) até a gruta em que vive o ermitão, para um encontro nada ingênuo.

A temática da peça está profundamente ligada à realidade vivida pela sociedade portuguesa da época de Gil Vicente: o desejo de ascensão social da pequena burguesia, que vê no casamento numa forma de consegui-la, o oportunismo, o desprezo pela vida camponesa e o prestígio das maneiras cortesãs, a ignorância do rústico, embora rico camponês e sua ingenuidade, a falta de escrúpulos (núcleo da peça). O desenvolvimento do capitalismo reforçou o poder do monarca e provocou a decadência da nobreza feudal. A riqueza vinda do comércio ultramarino tendia a ser grande base do prestígio social. A aristocracia dependia dessa riqueza e procurou diminuir sua importância desprezando-a e valorizando a origem de sangue, a educação, a fineza, as boas maneiras, a honra e a coragem, enfim os ideais cavaleirescos. E como a nobreza mesmo decadente, ainda conservava grande prestígio social, acabou por impor o estereótipo do cavaleiro como modelo a que deviam aspirar todos aqueles que queriam pertencer à classe superior. A burguesia (comércio e finanças) procurou imitar esse figurino com desejo de ascensão social. Passaram então a imitar os nobres sonhando subir na escala social, mas isso tornou-se cômico e ridículo. É mais ou menos o que acontece em Inês Pereira. Inês, jovem cansada de trabalhar, quer casar. Lianor Vaz lhe arranja um noivo, Pêro Marques, que ela recusa por ser falastrão (quer um marido discreto, mesmo que pobre). Então Latão e Vidal, dois judeus casamenteiros, lhe arranjam o escudeiro Brás da Mata, com quem se casa. Brás é caloteiro e nunca paga seu moço, Fernando. Logo após o casamento Brás vai para o Norte da África tornar-se cavaleiro, mas é morto por um pastor mouro ao fugir da batalha. Livre deste casamento Inês se casa com Pêro Marques.


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